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19 de Abril de 2024

Caso Ana Hickmann: legítima defesa ou homicídio?

Publicado por Diego Leal
há 6 anos

A configuração ou não da legítima defesa em casos com ampla repercussão midiática costuma gerar muita dúvida e debate (alguns apaixonados) entre as pessoas, a exemplo do caso Ana Hickmann, ocorrido em maio de 2016, em que ainda se discute no processo se o cunhado da apresentadora agiu ou não em legítima defesa (em sua defesa, de sua esposa e da apresentadora).

Mas, afinal, o que é “legítima defesa”? Pois bem, a legítima defesa nada mais é do que uma circunstância que exclui o crime. Entretanto, não se trata de um “vale tudo”, pois o próprio Código Penal proíbe o seu excesso. Isso quer dizer que somente estará em legítima defesa aquele que se utilizar, moderadamente, de meios necessários para afastar/repelir uma injusta agressão, atual ou iminente, tanto para salvar-se quanto para salvar terceiros, conforme dispõe o art. 25 do Código Penal.

A grande dificuldade é, por vezes, identificar esse “moderadamente” no caso concreto. Por exemplo, é possível afirmar, categoricamente, que o cunhado de Ana Hickmann não agiu em legítima defesa, tendo em vista que efetuou três disparos na nuca do agressor? Depende! Não é a quantidade de disparos e a “letalidade” do local atingido que definirá isso necessariamente (apesar de serem fatores relevantes), mas sim a soma de todas as demais circunstâncias do caso.

O se quer dizer é que, se após o primeiro tiro o agressor já estivesse rendido e sem possibilidades de lesar a integridade física das vítimas, um segundo tiro já seria considerado excesso. Agora, se após o primeiro disparo ainda houvesse ameaça de lesão às vítimas – algo que é muito delicado constatar em segundos de adrenalina –, não haveria excesso num eventual segundo disparo com o objetivo de fazer cessar o perigo existente.

Também é importante frisar que na análise sobre a (in) existência da legítima defesa, não é razoável que se espere de uma vítima, nessa situação, a habilidade, a frieza ou um “super poder” para mirar e atingir “órgãos não letais” que venham a tão somente deter o agressor. De outro lado, por óbvio não se pode negar que havendo essa possibilidade no caso concreto e assim agindo a vítima para neutralizar o agressor, suas chances de ter a tese da legítima defesa acolhida aumentam.

Vejam, portanto, que os mesmos atos podem gerar consequências jurídicas diversas. Dessa forma, não com a intenção de se esquivar da adoção de um posicionamento, mas apenas com o cuidado de refletir sobre as repercussões jurídicas do caso, à distância, entendo que não é possível afirmar com convicção se houve legítima defesa ou crime de homicídio no caso Ana Hickmann, pois o “agir moderadamente” varia de um contexto para outro.

É preciso que seja feito um exercício hermenêutico do caso com todas as ferramentas à disposição do intérprete, já que a supressão dos detalhes, por menores que sejam, podem fazer total diferença. Porém, o certo é que, havendo inúmeras variáveis e dificuldades para se chegar a uma resposta, o in dubio pro reo há de falar mais alto.

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Você sabe quais são os requisitos para configurar legítima defesa?

22 Comentários

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Este é um caso emblemático, pois demonstra o tratamento aberrante - uma verdadeira deslegitimação - que se confere à legítima defesa no Brasil.

O que é muito grave. É um passo firme rumo à barbárie.

A premissa é simples. Existe um bem jurídico injustamente ameaçado. Para fazer cessar a ameaça, pode-se defender o bem jurídico em risco, da forma que for possível e necessária.

O moderadamente se faz presente para coibir excessos objetivos. Não se reage a um furto com um tiro na testa, a uma injúria com um soco, e assim sucessivamente.

Direito penal não é lugar para subjetivismos nem casuísmos.

A reação e seu alcance devem ser proporcionais à ameaça aparente, enquanto aparente for. Não falo nem da ameaça concreta, mas da ameaça que parece existir naquele dado momento.

Não há dificuldade aqui.

Exceto se o julgador não tiver metade do cérebro. E graças a estes, o direito brasileiro está sendo vandalizado com casos vergonhosos como este. continuar lendo

Obrigado pela contribuição, Doutor. continuar lendo

Muito bem ponderado. "O moderadamente se faz presente para coibir excessos objetivos. Não se reage a um furto com um tiro na testa, a uma injúria com um soco, e assim sucessivamente". É daqui que vem o bom e velho princípio do "olho por olho e dente por dente". Muito mal interpretado por muitos, esse é o berço do princípio da equidade e da moderação e que trouxe pela primeira vez na História da Humanidade a noção do excesso punível. Entretanto, quando é a vida que é o bem juridicamente tutelado, que se encontra sob injusta ameaça, é perfeitamente equivalente que a vida esteja na balança no modo de se rechaçar a ameaça. Assim, matar alguém em legítima defesa (quando não há outro meio de neutralizar o perigo de dano) não é e nunca foi crime. O que fica aqui é a noção do injusto: o agressor se pôs na situação de ver sua vida ameaça pela reação da vítima. Ambos com o bem juridicamente tutelado sob ameaça: um sofrendo ameaça injusta e outro sofrendo ameaça justa (defesa da vítima). É simples. Mas os intérpretes demagogos da lei estão sempre a postos para distorcer paradigmas. Daqui a pouco vão ter que ensinar na pré escola como desarmar um homicida, porque "arma contra arma" agora virou excesso. Faça-me o favor. continuar lendo

Uma invasão de propriedade com ameaça de morte. Um fanático doente e perigoso. Ameaças. Tiros disparados, pessoas feridas. Toma-se a arma do invasor e então, espera-se o que?
Um tiro para o alto para que ele fique acuado? Se não resolver, atiramos em seu pé e se ainda não o acuarmos, podemos atirar no outro pé? Mesmo não tendo prática com uso diário de armas, nossa calma e pontaria são requeridas?
Adoro esse país de pessoas calmas, controladas e mega ponderadas.
Como não sou daqui, estaria atirando até agora, possível fosse. Legítimo direito ao medo, à reação instintiva, ao despreparo lógico para lidar com tais situações. Absolutamente humano.
Afinal, o que se discute? continuar lendo

Uma dúvida, poderia aplicar estado de necessidade? continuar lendo

Devemos sempre pensar caso a caso, analisando a proporcionalidade dos atos. Concordo que não podemos exigir de alguém, que esteja em legítima defesa, uma análise fria e calculista para saber exatamente como agir com tal situação tão inesperada. Os instintos humanos e as condições psicológicas do momento contam bastante para o exercício interpretativo do caso.

Mas, para não tornar o instituto como uma espécie de vingança, sensato foi o legislador em proibir os excessos que poderiam acontecer na reação da vítima para repelir a injusta agressão ao seu bem jurídico ameaçado. continuar lendo

Proibir?
Não tem sentido algum. continuar lendo

Caro colega, quero dizer que a lei não trata da legítima defesa como um vale-tudo. O excesso é, indiscutivelmente, punível, conforme expressa previsão do art. 23, parágrafo único, CP. Logo, se o agressor não tiver mais condições de causar nenhuma ameaça à vítima, e mesmo assim esta lhe defere um disparo, atentando contra sua vida, estaremos diante de um caso claro de homicídio doloso.

Se o agente quiser continuar amparado pela legítima defesa, há de empregar os meios necessários para repelir a injusta agressão. Por isso é que, a lei veda, sim, o excesso, já que se houver, não estaremos mais diante de causa de exclusão da ilicitude. continuar lendo

Eu sei e entendo bem o sentido da lei.
Só que não é assim, porque em meio a atitudes existe o lado humano e seus limites,o que torna cada caso, um caso único.
E assim deve ser tratado legalmente.
Nada determinado. Tudo discutível.
Nesse caso,para mim bem claro. continuar lendo

Sinceramente, sinto que nossa justiça esta indo pro "lado sombrio da força" pois sinto que meliantes tem mais amparo que cidadãos de bem. Acho correto que deva ter o inquérito, ação, julgamento etc da vítima, que ao se defender acabou executando o agressor (sou estudante/amante de educação física mas amo o JusBrasil também, então se falei abobrinha, desculpe kkk). A justiça quer olhar pelos olhos do criminoso e não da vítima, se continuar assim, não duvido que vire crime reagir a assaltos e homicídios, se bobear você dominará o agressor, chamará a polícia e te levarão algemado no camburão junto com o meliante.

Excelente texto continuar lendo

Eu acho excepcional quando alguém gosta de aprender sobre outras áreas das quais não é formado, eu realmente admiro pessoas assim.
Excluindo algumas aberrações jurídicas que eu já vi, a questão é que perante a lei, todos são iguais. Quando uma pessoa comete um crime, ela não perde a condição de "ser humano", pois o criminoso goza de alguns direitos, no entanto, não está sob um palio jurídico maior do que o cidadão de bem.
O Estado não pode criminalizar o direito de legítima defesa, apenas se limita em modera-la a fim de evitar um estado de barbárie. continuar lendo

Obrigado pelo elogio, caro colega.

Toda crítica é válida. É muito bom vermos cidadãos leigos contribuindo para o debate jurídico, afinal, o grande desafio que temos é conseguir estreitar cada vez mais a relação entre o Direito e a sociedade. continuar lendo

Interessante caso para se estudar e debater! Parabéns pela exposição!! continuar lendo

Obrigado, Dra. continuar lendo